
O Brasil vive uma transformação silenciosa e profunda no mercado de trabalho. Pela primeira vez, os pedidos de demissão representam quase 38% de todos os desligamentos com carteira assinada. O dado, apurado pelo economista Bruno Imaizumi, da LCA 4intelligence, aponta que 37,9% das saídas registradas em janeiro foram voluntárias — um recorde. Em 2020, essa taxa era de 24%.
Essa onda de pedidos de demissão reflete um desejo crescente por mais autonomia, flexibilidade de horários e melhor qualidade de vida. Segundo o estudo, os que mais pedem para sair são jovens, mulheres e trabalhadores do comércio. Setores com jornadas longas, como construção civil e restaurantes, enfrentam dificuldades em reter mão de obra, enquanto cresce o número de microempreendedores individuais (MEIs) no país.
A nova configuração do trabalho formal está cedendo espaço para o modelo híbrido, remoto e autônomo. A advogada Isadora Teixeira, de 26 anos, é um exemplo. Ela trocou um emprego estável e bem remunerado em um escritório de advocacia por uma carreira como designer de branding. Hoje, trabalha de casa, tem mais tempo para lazer e chegou a faturar mais do que ganhava formalmente.
Motivos como baixa remuneração, falta de flexibilidade e problemas com saúde mental aparecem com mais frequência nos relatos de quem decide sair. A pesquisa mostra que entre trabalhadores com ensino superior, 45% das demissões são voluntárias. Entre os jovens de 17 a 24 anos, o índice chega a 42%. Para muitos, a formalidade já não oferece o mesmo apelo de segurança de outros tempos.
Essa mudança é impulsionada também pelo ambiente digital. A professora Beatriz Guimarães, por exemplo, deixou um curso de idiomas após 13 anos para fundar sua própria escola de inglês online. Hoje, com 96 alunos e faturamento até dez vezes superior ao antigo salário, ela emprega familiares e alcançou uma nova estabilidade — agora sob seus próprios termos.
O sociólogo Tiago Magaldi, da UFRJ, observa que muitos trabalhadores fazem uma leitura pragmática da realidade: empregos formais mal remunerados e jornadas exaustivas não compensam os benefícios da CLT. A ausência de perspectivas em certas funções alimenta o movimento de saída voluntária, principalmente entre os que atuam em serviços com baixa qualificação.
A internet também reduz barreiras de entrada para novos negócios. Clara Marques, mentora de negócios digitais, afirma que empreender hoje é mais acessível. “Você pode começar com o celular. Há plataformas para vender qualquer serviço ou produto, e a pandemia acelerou isso”, explica. O cenário atual revela um país onde o desejo por liberdade e bem-estar supera o apego à carteira assinada.
Para especialistas, a tendência é irreversível. A pressão por horários rígidos e modelos ultrapassados de gestão está empurrando profissionais para outros formatos de trabalho. Enquanto empresas tentam se adaptar, o trabalhador brasileiro parece já ter feito sua escolha: menos controle, mais propósito — mesmo que isso signifique sair da zona de conforto.