
O Congresso Nacional nunca derrubou formalmente um decreto presidencial nas últimas duas décadas e meia. No entanto, a medida recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), reacendeu um movimento incomum: parlamentares da oposição e até da base aliada se articulam para barrar o decreto por meio de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL). Já são 22 propostas apresentadas com esse objetivo, sendo 20 na Câmara e 2 no Senado.
O uso de um PDL para sustar atos do Executivo é raro e visto como uma derrota política significativa para o governo. Desde 1999, o Congresso só anulou portarias ministeriais, resoluções e acordos bilaterais — ao todo, dez vezes — mas jamais um decreto presidencial. Mesmo assim, o simples avanço de PDLs já obrigou recuos do Executivo em diversas ocasiões. A possibilidade de mais um revés ronda o Palácio do Planalto.
Nesta semana, interlocutores do governo reconheceram que o clima entre parlamentares se tornou mais favorável à derrubada do decreto do IOF. A avaliação política é de que a medida trouxe desgaste adicional ao presidente Lula, e a reação no Congresso pode forçar uma nova rodada de negociações e concessões para evitar uma derrota simbólica.
Exemplos de recuos recentes reforçam essa leitura. Em 2023, após a Câmara derrubar dois decretos que alteravam o marco legal do saneamento, o governo revogou as normas antes que o Senado votasse. Em 2024, outro decreto, que impedia a instalação de clubes de tiro próximos a escolas, caiu na Câmara, e o Executivo voltou atrás meses depois, autorizando as instalações com restrições.
Recuos também marcaram gestões anteriores. O ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, revogou decretos sobre armas e sigilo de documentos após pressões legislativas em 2019. Já um decreto da ex-presidente Dilma Rousseff, que criava conselhos populares, só foi efetivamente derrubado anos depois, no governo seguinte, embora a Câmara tenha votado contra ele ainda em 2014.
Embora portarias tenham sido mais frequentemente anuladas pelo Congresso, como ocorreu com regras de emendas parlamentares durante a pandemia e mudanças no número de deputados por estado em 2013, a ameaça a um decreto presidencial indica uma mudança de postura. Se o PDL contra o decreto do IOF avançar nas duas Casas, o governo Lula pode sofrer sua derrota legislativa mais emblemática neste terceiro mandato.